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Olhar para Si

“É preciso sair da ilha para ver a ilha.
Não nos vemos se não saímos de nós”
José Saramago, O conto da ilha desconhecida (1997)

 

Em 1997, em O conto da ilha desconhecida, de forma poética e metafórica, Saramago apresenta a saga de um sujeito a procura do desconhecido ou, no caso desta resenha, de seu próprio eu. Embrenhado na vontade de sair de seu reino para encontrar algo novo, arrastando consigo pessoas, vontades, desejos, sonhos, ideais e fantasias, Saramago descreve a trajetória do “eu” como um ser enigmático, singelo e desprovido de apegos, mas com ideais claros e com a necessidade constante de navegar para o desconhecido “ao e de” encontro a sua real identidade, ou ao seu verdadeiro mundo. Como dito no conto,

“Se não sais de ti, não chegas a saber quem és”

Somos, como no conto de Saramago, formados por desejos e vontades que regem (in)diretamente a nossa vida, ou, em linhas gerais, nossa personalidade. Na realidade, que regem o nosso falso eu. Desapegar-se e voltar-se ao passado para se autodescobrir exige um olhar acurado para dentro de si, e a busca constante de revelar o “conhecido recalcado”, ou do “desconhecido inconsciente”. Descobrir-se é um desafio de doação, vontade, superação e ânsia de autoconhecimento norteados, por sua vez, ao apoio inerente do Psicanalista, que deve conduzir o processo com empatia, imparcialidade e profissionalismo.

Para o analisando, ressignificar, a partir de suas próprias “descobertas”, leva a um misto de dor e alívio. Encontrar-se em um sujeito apegado ao passado, preso a traumas, fixações, limitações (recalques), representações (pai & mãe), sexualidade (i.e., as fases), conjuntos de desejos e afetos (líbido) não correspondidos, inseguranças, hábitos, excessos, vazios e, portanto, com inúmeros e (im)perceptíveis mecânicos de defesa, tornam árdua a trajetória, mas, por vezes, gratificantes as descobertas do analisando, onde o sujeito revela-se preso ao passado e ao seu inconsciente.

Saramago demonstra com maestria a busca do sujeito pela ilha desconhecida. Aliás, mesmo com as tentativas de dissuasão do Rei, como exemplificado pela pergunta

E que ilha desconhecida é essa que queres ir procurar?

o sujeito, na busca de “seu porto seguro”, age por instinto e harmonia com o meio, desapegando-se completamente do seu entorno, da sua história (ficção?) e dos outros ao seu redor. Descobre-se, ao longo de sua longa caminhada, que a importância não está na descoberta da ilha, mas sim na busca incessante pelo desconhecido, respondendo ao Rei:

Se eu pudesse dizer, então não seria desconhecida

Enfim, como o sujeito na sua viagem consciente para o desconhecido, passa-se o mesmo com o Analisando. Desapegando-se do seu entorno, das forças dissuasivas ao seu redor, da necessidade de defesa dos recalcados e na compreensão da sua fala como algo interno e munido de inúmeros significados e representações, o Analisando passa a descrever a sua vida em terceira pessoa, cujo verdadeiro “eu” encontra-se nas entrelinhas de suas falas, discursos, gestos, posturas e histórias. Dessa forma, o Analisando releva-se como outra pessoa, mas falando de si mesmo, como simplificado por Freud,

Quando Pedro me fala de Paulo, sei mais de Pedro que de Paulo.

Rodrigo. F. Bianchi- Estudante de Psicanálise
Instagram: https://www.instagram.com/rfbufop/

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