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BRINCADEIRA DE CRIANÇA - Foco de escuta e atenção flutuante

Em 2019, após uma sequência de fatos e encontros casuais, os renomados Cláudio Thebas e Christian Dunker publicaram o livro “O Palhaço e o Psicanalista”: uma rica referência na arte da escuta como base para transformar vidas. Ou seja, o livro, com linguagem direta, lúdica e contagiante, apresenta condições importantes do papel do analista na compreensão das relações humanas. Por exemplo:

“… valorizar a importância da escuta como tratamento social e psicológico dos conflitos, mas também como forma de tornar a experiência humana mais rica e interessante”.

Assim, do ponto de vista de conteúdo, o livro é por si só uma fonte de estudos, pois ratifica e corrobora, mesmo que indiretamente, como a escuta e a atenção flutuante são condições indispensáveis para que os psicanalistas catalisemos processos de autorreconhecimento de seus analisandos. Contudo, é no prefácio do livro, escrito por Ana Dunker, que a escuta toma aqui um estimulo à compreensão da relação dos psicanalistas com as crianças:

“Como criar um ambiente onde os invisíveis tenham voz e sejam escutados?”

Ou seja, no Setting Analítico: como reconstruir o referencial familiar de uma criança que foi alienada, desamparada (voluntária ou involuntariamente) e/ou “desescutada” (i.e. “fala que eu não te escuto”) pelos próprios pais? Como fazer isso usando a técnica de associação livre, quando os recalques do analisando ainda estão acontecendo? Como tornar a experiência humana mais rica, interessante e atrativa para analistas e analisandos? Como tornar o ambiente propício ao processo de transferência? Como identificar se o meio é positivo para o desenvolvimento dos analisandos? De tantos questionamentos, mas agora apoiando-se em Freud,

Como reviver nas crianças situações reprimidas se essas situações são inexistentes ou ainda estão em processos de recalque?

Logo, encontrar respostas a essas perguntas foi objeto de investigação e estudo de inúmeros psicanalistas ao longo do século passado, sobretudo no entre e pós-guerras. Compreender, assim, como as crianças manifestam suas angústias, desejos e sentimentos foi algo marcante e que exigiu esforços dos psicanalistas daquela época, rompendo ou não com as teorias mais tradicionais, mesmo porque, segundo Freud, as crianças só manifestariam seu inconsciente a partir da Fase Edipiana, ou seja, longe de seus primeiros dias e anos de vida. E é exatamente através dos Freud´s, pai e filha, que a primeira retomada da psicanalise no universo infantil se apresentou. Mas, como?

Simultaneamente ao avanço da psicanalise Freudiana no início do século passado, surgia na Itália o método de educação Montessoriano, criado por Maria de Montessori, como método inclusivo que se baseia em confiar no outro sem interferências, com liberdade e valorização, onde o brincar é o trabalho pedagógico das crianças. Apoiando-se novamente em Freud, e com a participação da filha e professora Anna Freud, uma entusiasta do método, em sua fala da descoberta da criança por Maria Montessori no início do século XX:

“Se todas as crianças fossem às suas escolas (Montessorianas),os divãs dos psicanalistas estariam vazios” Adaptada de Ifeveryonehad Montessori Schools, theywouldn´tneed Freud, em https://ageofmontessori.org/montessori-schools-freud/: temos que o lúdico, independente de qual escola de psicanalise se adotar (A. Freud, M. Klein, Winnicott, Lacan e Bion), é a maneira de escuta e atenção mais eficiente na análise do universo das crianças.

Dito de outra forma: é na forma do livre brincar que a criança manifesta ou desenvolve seus desejos, vontades, angústias e lembranças. É no brincar que a criança se sente livre para demonstrar sua essência mais íntima, mesmo que ela ainda não saiba discernir, por exemplo, a realidade da ficção, o certo do errado, e o bom do mau.

Não é por menos que podemos associar aqui que Dunker, mais de um século após demonstrada a relevância do brincar na análise das crianças, em palavras minhas, relaciona a figura do palhaço (ou aquele que brinca entre verdades e mentiras) a do analista (ou aquele que permite, entende e participa das brincadeiras) como forma de aproximação e acolhimento (empatia) com o analisando (ou aquele que se sente livre para brincar e, portanto, manifestar ou desenvolver suas fantasias à força dos próprios desejos). Ainda segundo Dunker, aqui exposto como forma da compreensão do “é brincando que se fala as grandes verdades”:

“Foi brincando que a gente se entendeu […] Preciso ser mais palhaço para me tornar melhor psicanalista […] Palhaços tem uma espécie de função social, pois eles condensam e sintetizam a possibilidade dada pela linguagem e pela coabitação humana de imaginar e viver, a partir do mundo dado, um outro mundo possível”.

É, portanto, nesta combinação Analista -Analisando em um mundo dado ou outro mundo possível de brincadeiras e verdades que a escuta e a atenção flutuante tomam seus devidos espaços na psicanálise com as crianças. 

Rodrigo. F. Bianchi- Estudante de Psicanálise
instagram: https://www.instagram.com/rfbufop/

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